OS POBRES DE ESQUERDA AINDA ESTÃO AQUI! NOSSA ESQUERDA PRECONCEITUOSA

 

 

Peço licença aos leitores para iniciar este artigo citando o grande Santo Agostinho (354-430), que disse: “Teus pecados são a tua tristeza, deixe que a santidade seja a tua alegria”. Faço essa citação não por acaso, mas porque desejo convidar a reflexão sobre um dos mais profundos pecados de nossa sociedade e, em especial, de nossa esquerda: o preconceito velado contra aqueles que dizem defender.

A história de Elizabeth Teixeira, uma mulher que desafiou a opressão do latifúndiário e da ditadura, é um exemplo vivo da luta de tantos pobres, camponeses e operários que nunca tiveram voz. Seu marido, assassinado pelo Estado, sua filha, morta pela dor, sua vida clandestina e de resistência, são marcas de um Brasil que insiste em esquecer aqueles que foram sua verdadeira base de transformação social. Mas, enquanto nomes de jornalistas mortos pela ditadura ecoam com indignada eloquência, o mesmo não ocorre com os operários e camponeses que tombaram sem manchetes ou revolta midiática.

Os pobres de esquerda ainda estão aqui. Mas onde está a esquerda para eles? O operário que cai assassinado pela repressão tem a mesma relevância que o intelectual morto pelo regime? A camponesa que foge da perseguição é celebrada com a mesma pompa que um artista engajado? A resposta, infelizmente, é não. O preconceito de classe se manifesta até mesmo entre aqueles que juram combatê-lo.

O cinema, como espelho dessa seletividade, também escancara esse abismo. O recente filme “Ainda Estou Aqui” de Walter Salles, ovacionado pela crítica e apontado como favorito ao Oscar, não é o primeiro a retratar a violência estatal e as cicatrizes da ditadura. Mas um filme sobre um operário ou uma camponesa retirante jamais teria o mesmo prestígio. Eduardo Coutinho, há 41 anos, nos trouxe a história de Elizabeth Teixeira em “Cabra Marcado Para Morrer”, um documentário que ficou no limbo por quase duas décadas até ser concluído. Quem se lembra? Quem discute esse filme nas academias de cinema? A esquerda cultural se importa?

O DOI-Codi assassinou Manoel Fiel Filho, um trabalhador, um operário. Disseram que ele se matou, tal como fizeram com Vladimir Herzog. Mas o impacto foi diferente. A esquerda erudita, a imprensa e os intelectuais gritaram por Herzog. Manoel Fiel Filho, no entanto, não teve o mesmo holofote. O Brasil de esquerda que defende os pobres, muitas vezes, olha para eles com a mesma indiferença elitista que tanto critica na direita.

O tempo passa, e os pobres continuam aqui. Continuam lutando, resistindo, sendo assassinados nas periferias, sendo explorados no campo. Continuam sem terra, sem direitos, sem voz. A esquerda que se diz popular, porém, cada vez mais se distancia deles. Preocupa-se mais com discursos refinados do que com a real transformação social. Romantiza a pobreza, mas não a vivencia. Celebra os intelectuais engajados, mas ignora o pedreiro morto no caminho do trabalho.

Será que é a academia de cinema a verdadeira preconceituosa ou é a própria esquerda que abandonou os seus? O problema não é apenas a invisibilidade dos pobres diante do grande público. O problema é a esquerda, que se pretende defensora deles, também agir assim. Se quisermos um país mais justo, precisamos começar por encarar as verdades incômodas que preferimos varrer para debaixo do tapete. Os pobres de esquerda ainda estão aqui. Mas onde está a esquerda para eles?

 

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